terça-feira

Três histórias do interior * JOSÉ CÂNDIDO CARVALHO

ANÃO NO VENTO DAS QUATRO HORAS DA TARDE

E por causa de uma discussão sobre coisas de zepelim e assentador de moça, o anão Azevedinho Codó levou, de um certo Chico Pereira, pescoção de tal modo peçonhento que atravessou de foguete toda a cidade de Guarus e sumiu para o lado do Piauí numa poeirinha de não ser mais visto. No meio da semana, o delegado Xexé Barroso,encarregado de desvendar o paradeiro de Azevedinho, recebeu do seu colega do Palmeiral do Livramento o seguinte telegrama:

PASSOU PELA RUA DO COMÉRCIO UM NANICO VOANDO DE PASSARINHO, QUE SÓ PODE SER O PROCURADO AZEVEDINHO CODÓ. NO MEU FRACO PENSAR, O PESCOÇÃO MINISTRADO AINDA TEM CARVÃO PARA MAIS DOIS DIAS, PELO QUE TELEGRAFEI PARA LAGOINHAS DE MODO QUE A AUTORIDADE COMPETENTE ESPERE O INDIGITADO ANÃO NO CAMPO DE POUSO, ONDE DEVE CHEGAR NO VENTO DAS QUATRO HORAS DA TARDE SE NÃO SOFRER ATRASO NO PESCOÇÃO. SÓ QUERO SABER SE A GENTE DEVOLVE AZEVEDINHO CODÓ POR VIA MANUAL OU PELA ESTRADA DE RODAGEM. 

DE COMO O TABELIÃO SÁ BARBALHO LAVROU A ATA DO DESCOBRIMENTO DAS AMÉRICAS

E de repente, na sala do Cartório Raul Pimenta, o tabelião Ludovico de Sá Barbalho estancou a pena no meio de uma lavratura e disse com voz de mar alto:
- Comunico e participo que de hoje em diante não sou mais o tabelião juramentado de Crubixais do Rio Novo. Sou Cristóvão Colombo pela vontade de deus e do rei. Amanhã lavrarei a competente ata do descobrimento das Américas.
Estava maluco. E no dia seguinte, que era domingo, toda Crubixais do Rio Novo viu o tabelião Barbalho sair em passo de 12 de Outubro e ganhar a Rua das Flores. Levava embaixo do braço uma luneta e na cabeça um chapéu de almirante. Quando chegou à Praça da Matriz, gritou em feitio de escritura pública:
- Ao mar!
Como não havia mar em Crubixais, Barbalho navegou mesmo em seco e em seco ancorou a caravela na porta da Barbearia Central. Os filhos, com seu compadre Juquinha Azambuja na frente, correram para desencalhar o barco do velho Ludovico de Sá Barbalho. E mansamente bordejaram pelo fundo da Praça da Matriz de modo a colocar o tabelião em águas de casa. Na soleira da porta, antes de entrar, Barbalho voltou a gritar:
- Sou Cristóvão Colombo vitalício do que não abro mão nem faço acordo! 
Loucura pega de galho. E tanto pega que houve um derramamento de doido em Crubixais. Um era pajem do rei, outro nobre da corte e outro ouvidor-geral. Quando o Dr. Sabugosa Leitão, circunspecto juiz da comarca, que não ria nem brincava com ninguém, veio de Rui Barbosa, careca e de pincenê, o tabelião Barbalho deixou no mesmo instante de ser Cristóvão Colombo. Reuniu o pessoal graúdo e avisou:
- Deu tanto maluco em Crubixais que alguém, meus senhores, deve ser o juiz. Comunico e participo que de agora em diante sou o Doutor Sabugosa Leitão.
E desandou a despachar os processos em pauta. Com muito acerto e competência. 

TATÃO, O ESQUARTEJADOR

Era domingo que pita cachimbo e Tatão Chaves aproveitou para pedir Lili Mercedes, mestra de letras, em casamento. A cidadezinha de Monte Alegre, sabedora da novidade, botou a cabeça de fora para presenciar Tatão em cima das botinas de lustro e por baixo das panos engomados. Para avivar a coragem, Tatão bebeu, no Bar da Ponte, meio dedo de licor, coisinha de aligeirar a língua e aromar a boca. Como achasse o licor educado demais, mandou cruzar a bebidinha com cachaça de fundo de garrafa.
Disse recomendativo:
- Daquele parati mimoso que até parece flor de jardim.
De talagada em talagada Tatão perdeu a mira da cabeça. Embaralhou o pedido de casamento com negócio de disco-voador, imposto de renda e busto de moça. A essa altura, gravata desabada e camisa fora da calça, Tatão preveniu:
- Sou o maior dedilhador dos desabotoados das meninas já aparecido em Monte Alegre. Sou Tatão Chupeta!
Gritava que era monarquista, que era a favor da escravidão e que o prefeito de Monte Alegre não passava de uma perfeita e acabada mula-sem-cabeça. E para arrematar, ganhando a porta do Bar da Ponte, garantiu:
- Só queria que aparecesse neste justo instante um boi cornudo para Tatão esfarinhar o chifre do sem-vergonha a bofetada!
Nisso, um boizinho desgarrado apontou na esquina da Rua do Comércio. Tatão, cumprindo a promessa, armou o maior soco do mundo. E atrás do soco saiu Tatão, atravessou a Praça 13 de Maio, entrou no Mercado Municipal, desmontou duas barracas, esfarelou um comício de tomates e só parou no Açougue Primavera. E meio adernado sobre um quarto de boi que sangrava em cima do balcão: .
- Soco de Tatão é pior que canhão de guerra. Mata e esquarteja! 

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José Cândido Carvalho


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