terça-feira

Contos Filosóficos do Mundo Inteiro * Jean-claude Carriere



Jean-Claude Carrière compilou, por mais de dez anos, contos dos mais diferentes povos. São histórias engraçadas, inteligentes e, muitas vezes, misteriosas, mas que tocam todos os pontos da interrogação humana, aguçando a curiosidade e a inquietude. Neste livro, o leitor verá que, em uma história, é difícil discernir o verdadeiro do inventado, uma vez que, algum tempo depois, o real e o imaginário se unem.

Nome do livro: O circulo dos mentirosos / Contos filosóficos do mundo inteiro
Autor: Jean Claude Carriere
Número de páginas: 304
Formato: 15,5 x 23
ISBN: 978-8500-017-216
Editora: Ediouro 

http://www.contosfilosoficos.com.br

Alguns mini contos extraidos do livro:

A prova da mentira



Uma história coreana conta o seguinte.

Nos tempos em que o tigre ainda fumava cachimbo, um velho cego morava numa casa sem teto. No período mais inclemente do inverno, ele se vestia com roupas de linho. Ocupado em socar tabaco num cachimbo que estava sem o tubo, o cego olhava a paisagem. Na montanha à sua frente, viu árvores sem raízes e pássaros sem asas, que levavam comida para seus filhotes sem bicos. O cego viu passar correndo um cabrito-montês sem patas. Então, apanhando seu fuzil sem cano, o velho correu na direção da montanha e atirou no cabrito sem patas. Em seguida amarrou o animal morto e olhou novamente para a montanha, cuja encosta ensolarada estava coberta por uma neve negra. Ele quis cortar a relva com sua foice que tinha a lâmina cega, quando de repente surgiu uma serpente sem cabeça que mordeu a foice. Da foice mordida esguichou um jato de sangue. O velho arrancou um chumaço de algodão de sua roupa de linho, estancou o sangue que escorria da foice, cortou a relva e a colocou no lombo do cabrito morto. Seguido pelo animal, ele subiu a montanha, com pressa de cruzar o rio sem água. Mas a correnteza do riu arrastou o cabrito morto carregado de feno.
O velho cego gritou, desolado:
- Socorro! Socorro! Meu cabrito morto se afogou no rio sem água! Meu cabrito morto está morrendo!
Um surdo foi o primeiro a atender a este apelo que não se podia ouvir. Ele pediu a um doente, um homem sem pernas, que se atirasse no rio para salvar o cabrito morto que ia morrer. Neste exato momento, um mudo apareceu e gritou:
- É tudo mentira! É tudo mentira!
Então todos os outros, o velho, o cego, o surdo e o mudo, se deram conta com espanto, de que tudo isso não passava realmente de uma mentira.

***

Outro caso de pessoa errada (Espanha)

A história a seguir é de origem espanhola.

Do trigésimo andar, um homem despenca no vazio. Enquanto cai, grita:

- Santo Antonio! Santo Antonio! Me salve.

Uma mão poderosa surge das nuvens e o segura.

- Oh, obrigado santo Antonio! - Grita o homem

- Santo Antonio de onde? - Pergunta uma voz invisivel.

- Santo Antonio de Pádua!

- Ah, não sou eu. - Diz a voz.

A mão se abre e o homem se arrebenta na calçada.

***

A derradeira miséria (Arabia)

Esta história curta nos foi trazida pela tradição árabe.

Um homem muito pobre e seu jovem filho encontraram um corpo que alguns homens carregavam por terra.

- Aonde estão levando este morto? - Perguntou o garoto.

- Para algum lugar que não haja nada para comer, nem nada para beber. Algum lugar onde não exista nem teto, nem fogo, nem tapete, nem esteira.

- Então estão indo lá para casa. Respondeu o garoto.
***

O demônio sofredor

Uma história de origem desconhecida, mas que é contada um pouco por toda parte, diz que um demônio encontrou um outro demônio que rolava por terra, gritava e chorava, como se sofresse uma dor sem igual.

- Por que está sofrendo? - Perguntou o primeiro demônio.

O outro respondeu entre dois queixumes:

- Tenho um anjo dentro de mim. E ele está me atormentando. 
***

Onde Deus mora?

Um grande mestre da tradição hassídica, Yitzhak Meir, era ainda criança quando alguém lhe disse, brincando:

- Eu lhe dou um florim se você disser onde Deus mora.

- E eu - respondeu a criança - lhe dou dois florins se me disser onde ele não mora. 
***

O que é a profundidade?

Um Koan - relato curto com objetivo de instruir ou estimular a meditação - atribuido a Tchao-Tchan conta o seguinte:

Um discipulo pergunta ao mestre qual a profundidade do rio Zen.

- Três dedinhos - responde-lhe o mestre.

- Então - pergunta o discipulo - , quem pode nadar nesse rio?

- A montanha.
***

Uma boa proteção

Nasreddin Hodja certo dia cercava sua casa com miolos de pão. Um homem que passava parou e lhe perguntou a razão dessa prática inusitada.

- É para me proteger dos tigres - respondeu Nasreddin.

- Mas não há tigres aqui!

- Sim - disse Nasreddin - Você está vendo que funciona. 
***

A lição do pássaro

Krishnamurti contou em A chama da atenção:

Um mestre espiritual tinha vários discipulos e, todas as manhãs, ele lhes falava sobre a natureza da bondade, a natureza do amor. Certa manhã, quando ia começar a falar, um pássaro pousa no parapeito da janela e começa a cantar. O pássaro canta por um momento, depois desaparece. O mestre se levanta e diz: " A palestra de hoje terminou".


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